COMENTÁRIO DE WILLIAM SOARES DOS SANTOS







COMENTÁRIO DO ESCRITOR WILLIAM SOARES DOS SANTOS
(POSTADO EM 17/06/2019 NO MURAL DO ESCRITOR GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO NO FACEBOOK)


Caríssimos, espero que vocês estejam bem. 

Escrevo para compartilhar com vocês uma leitura que fiz entre viagens de ônibus, aulas e reuniões de ordem administrativa, orientações e regências de meus queridos alunos e outros compromissos acadêmicos. Li por esses dias o livro "Grito" de Godofredo De Oliveira Neto. Confesso que fiquei surpreendido pela capacidade de condução e sustentação da narrativa por parte do escritor. A trama é, aparentemente simples: uma atriz já idosa divide experiências e momentos de representação teatral com um ator mais jovem. Essa relação é cheia de afeto, mas também de muita tensão. Além da idade, há as diferenças de gênero e de raça (ela é uma mulher idosa branca e ele um jovem negro). O autor explora essas questões de modo eficaz para o que propõe, chegando a uma resultado muito satisfatório em termos narrativos.
Gostei muito da engenhosidade da trama e da forma como ele faz a leitura fluir de modo muito natural. Isso não é pouca coisa, pois acredito que seja necessário ter percorrido um longo caminho para que um escritor seja capaz de realizar uma narrativa de modo natural. As referências ao "Dom Casmurro" de Machado a "Otelo" de Shakespeare e ao "Fausto" de Goethe (devido à minha formação brasilico-ítalo-anglosaxã, confesso ter pensado também em Christopher Marlowe, mas deixemos isso de lado por ora) se coadunam com o sentimento da personagem narradora da trama e com o que se desenvolve ao longo do texto. A referência à Machado, ao menos na opinião deste humilde leitor, se dá em vários níveis, seja no temático, seja na própria condução da narrativa, da qual Machado é um de nossos maiores mestres.
O elemento surpresa, ao final, faz-me pensar no romance "Grito" como um conto mais longo (mas que não tem nem de longe a natureza "arrastada" que encontro com frequência, por exemplo, nos contos de Alice Munro), no qual o que podemos designar de “ponto de virada”, deixa para a reflexão (e resolução) do leitor a exploração de elementos que vinham sendo apontados ao longo da trama como, por exemplo, a relação do personagem Fausto com a irmã natimorta e as múltiplas referências ao próprio Fausto como um personagem que passeia pela literatura do ocidente em múltiplas manifestações, por assim dizer.
O final do livro fez-me pensar em Hanna Arendt e a sua conceitualização de "banalidade do mal". Para o personagem narrador, nada parece importar a não ser a sua intimidade com o objeto de sua adoração, qualquer interferência outra é digna de extirparção. Mas há mais leituras por trás do grande jogo de cena final elaborado por Godofredo De Oliveira Neto que, obviamente, deixo para vocês descobrirem em suas leituras.
Eu só tenho a agradecer ao escritor pela sua dedicação à tessitura desse belo livro e por fazer, com outros escritores atuais dedicados como ele, a literatura brasileira algo pulsante e vivo. Nesse momento de tantas tristezas, encontro na literatura de Godofredo De Oliveira Neto uma alegria que não pode ser roubada, aquela mesma felicidade clandestina da qual nos falava Clarice Lispector, que é a alegria de sermos, pura e simplesmente, leitores.
Abraço grande a todos, tenham ótimas leituras,
William.

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